Como Presidente do Chile sob o governo de Unidade Popular, Salvador Allende Gossens ficará para a história como o primeiro líder político a dirigir uma tentativa de “transição pacífica” para o socialismo dentro da legalidade constitucional.
Nascido numa velha família da burguesia de Valparaiso que desde há muito se reclamava do livre-pensamento, aderiu muito novo à franco-maçonaria. Estudante de medicina, vice-presidente da Federação dos Estudantes de Santiago, foi por diversas vezes preso e expulso da universidade. Mas foi a sua descoberta da miséria, através do seu trabalho como médico dos bairros pobres, que o lançou na acção política.
Em 1933, foi co-fundador do Partido Socialista Chileno ao qual nunca mais deixou de pertencer. Em 1938, já eleito deputado, dirigiu a campanha do radical Aguirre Cerda, primeiro presidente da Frente Popular. Em 1942, ministro da Saúde, lançou um plano de segurança social operária. Foi senador a partir de 1945, e depois, em 1952, 1958 e 1964, por três vezes candidato derrotado à presidência da República. Acabaria por vencer no dia 4 de Setembro de 1970, com 36,3% dos votos, à frente do candidato conservador Jorge Alessandri (34,98%) e do candidato democata-cristão Radomiro Tomic (27,84%). Apoiado por uma coligação de Unidade Popular que ia dos comunistas até aos radicais e aos cristãos de esquerda, Salvador Allende deveu também a sua eleição ao grande prestígio que tinha junto de muitos sectores da população chilena. Eram-lhe muitas vezes apontados como característica pessoal que transportava para a acção política a convicção, o calor humano e também o gosto pelas coisas boas da vida.
O seu governo propôs-se então transformar, pela via da legalidade, as estruturas económicas e sociais do Chile, libertando o país da completa dependência que, nestes domínios, experimentava em relação aos Estados Unidos.
O vigor com o qual Allende apoiou certas medidas, como a nacionalização das minas de cobre em Julho de 1971, não o impediu de adoptar, tanto no domínio interno como no plano internacional, uma atitude quase sempre moderada. Ficou, aliás, muitas vezes em minoria dentro do seu próprio partido, que propunha medidas mais radiciais, apoiando-se então nos comunistas e nos sociais-democratas que pretendiam "consolidar" as conquistas antes de "avançar" para outras etapas. Quando as dificuldades económicas se multipicaram a partir de 1972, Salvador Allende deu uma atenção especial ao problema das forças armadas. Apesar da reputação de profissionalismo e de apoliticidade destas últimas, um sector militar tentou, em 1970, impedir a instalação de Allende na chefia do Estado. O presidente contava acima de tudo com as suas relações pessoais com um certo número de oficiais, obtidas especialmente através das suas ligações com a maçonaria, e com a sua capacidade para negociar. Após a demisssão, em 23 de Agosto de 1973, do general Prats, até essa altura o seu apoio mais firme no interior do exército, ofereceu a sua confiança política ao general Augusto Pinochet, que substituíra Prats como comandante em chefe das forças militares chilenas.
Os problemas agravaram-se durante o inverno austral de 1973 (inflação galopante, diversos motins, pressões do M.I.R., Movimento da Esquerda Revolucionária, e do movimento fascista Pátria e Liberdade) enquanto os partidos da Unidade Popular se desentendiam a propósito da política a seguir. Salvador Allende preparava-se para anunciar em 11 de Setembro um referendo a propósito da política do seu governo quando foi apanhado de surpresa pela rebelião militar. Quando, durante a manhã, o exército iniciou o levantamento, fechou-se com um punhado de fiéis no palácio presidencial de La Moneda. Recusando as ofertas da Junta Militar para deixar o país, ele próprio dirigiu a defesa do palácio durante longas horas. O governo militar acabará por anunciar a 12 de Setembro que ele se teria sucidado depois de constatar a impossibilidade de resistir. Mas as contradições entre as sucessivas versões contadas pelo novo poder, assim como o carácter de Salvador Allende, permitem-nos concluir que terá morrido de armas na mão.
Foi sepultado anonimamente em Valparaiso, a sua cidade natal, tendo a sua família sido forçada ao exílio (como aconteceu com a escritora Isabel Allende, sua sobrinha), tal como muitos milhares de chilenos que conseguiram escapar à feroz repressão dos militares.
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